Fotos Flavio Barcellos de Carvalho- Quilombo Marambaia
por marcos romão
Para Luiz Sacopã, presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombos do Rio de Janeiro e do Quilombo Urbano do Sacopã, na Lagoa Rodrigo de Freitas. o julgamento de amanhã, 3 de dezembro de 2014, é uma verdadeira faca no peito para milhares de quilombolas em todo o país, “não querem mais uma vez aceitar quem nós somos, remanescentes de quilombos que nos auto reconhecemos. Nós sabemos quem somos. O Estado Brasileiro precisa finalmente reconhecer que nós existimos, afinal teve ou não teve escravidão no Brasil? Estamos há mais de cem anos de pé em nossas terras, não podemos dormir. Toda hora chega um grileiro querendo pegar nossas terras”, afirma indignado o septuagenário Luiz Sacopã, que sonha em ver o dia em que seus netos e netos de todos os quilombolas sejam reconhecidos pelo estado Brasileiro.
Sacopã diz que os quilombolas vão estar presentes no julgamento, representados pelos Quilombos em torno de Brasília, como Calunga e Paracatu. ” vocês sabem como é, os poderosos ficam entrando na justiça contra a gente porque sabem que não temos dinheiro para estarmos nos deslocando para Brasília a cada julgamento, querem nos vencer pelo cansaço. É uma luta desigual, pois os milhares de quilombolas gostariam de estar presentes, para que nos vendo, os juízes saibam que existimos”.
A página da Comissão Pró-Índio publicou em sua página:
O julgamento pelo STF está previsto na agenda de 3 de dezembro. Entenda o que está em jogo.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3239 voltou à pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) da próxima quarta-feira, 3 de dezembro.
A ADI 3239 foi proposta em 2004 pelo então Partido da Frente Liberal – atual Partido Democratas (DEM) – objetivando a declaração de inconstitucionalidade do Decreto n.º 4.887/2003 que regulamenta o procedimento para a titulação as terras ocupadas por comunidades dos quilombos.
A ADI faz parte de uma ofensiva de interesses conversadores que tentam obstaculizar a efetividade do direito dos quilombolas à propriedade de suas terras. A eventual declaração de inconstitucionalidade do decreto pode agravar um cenário que já é bastante preocupante. Até hoje, somente 5,7% das famílias quilombolas no Brasil contam com terras tituladas e dessas algumas apenas parcialmente regularizadas.Os mais 1.400 processos em curso no Incra podem ficar paralisados no vácuo das regras para continuidade dos procedimentos.
Já em 2012 o deputado federal do PT-BA,Luiz Alberto, declarava:
” a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), proposta pelo Democratas, que será julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde desta quarta-feira (18). A medida da legenda tem como alvo o decreto que rege a titulação dos territórios quilombolas no Brasil e foi classificada como “um retrocesso das conquistas do país” pelo parlamentar. “A Adin interposta pelo DEM, partido do senador Demóstenes Torres, quer interromper o direito das comunidades quilombolas. Espero que o Supremo garanta as conquistas, o direito histórico e inalienável das comunidades quilombolas do nosso país”, afirmou. A Adin questiona o princípio do autorreconhecimento para identificação de quilombolas, a possibilidade de a comunidade apontar os limites do seu território e a previsão de pagamento de indenizações.
Artigo relacionado: Com a faca no peito
Na página do Instituto Socioambiental temos o relato do que aconteceu no julgamento iniciado em 2012, que foi interrompido:
Peluso considerou inconstitucional o decreto que regulamenta a
regularização fundiária dos territórios quilombolas.
O julgamento foi suspenso em seguida, após pedido de vista da ministra Rosa Weber
Em julgamento iniciado ontem (18/4), no STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília, o
desembargador Cezar Peluso, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239,
proposta pelo partido DEM (Democratas), votou pela anulação do Decreto nº 4.887/2003,
que regulamenta e viabiliza a demarcação e titulação dos territórios quilombolas. Fez no
entanto uma ressalva: os títulos expedidos antes do fim do julgamento devem ser
considerados válidos.
Peluso acolheu a tese defendida pelo DEM e afirmou que o decreto padece de uma série de
inconstitucionalidades. Considerou que o artigo 68 do ADCT (Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias), que determina o reconhecimento da propriedade definitiva e a
emissão dos títulos respectivos aos remanescentes das comunidades quilombolas, não pode
ser regulamentado por decreto presidencial, mas apenas por lei.
Contrariando manifestação anterior o relator também considerou inconstitucional o
critério da “autoidentificação” para o reconhecimento das comunidades remanescentes de
quilombos. Para Peluso, caberia a lei específica oferecer parâmetros históricos e
antropológicos para a identificação dessas comunidades.
Autodefinição
O critério da autoidentificação está previsto no artigo 2º do Decreto 4.887/2003 e no
artigo 1º da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho),que
estabelece tal critério como fundamental para identificar os sujeitos de sua aplicação
(povos indígenas e tribais, dentre os quais os quilombos).
Segundo esse critério, entende-se pertencente a determinado grupo étnico todos aqueles
que esse mesmo grupo reconheça como dele fazendo parte, independentemente, por
exemplo, de critérios genéticos ou de antiguidade. Faz parte de uma comunidade
quilombola todos que nela vivam e por ela sejam aceitos como tal, independentemente
de, por exemplo, ser descendente direto da família que a fundou séculos atrás. Nas
palavras de Manuela Carneiro da Cunha (Os Direitos do Índio: Ensaios e Documentos.
Brasiliense, São Paulo. 1987, p. 111):
“A antropologia social chegou à conclusão que os grupos étnicos só podem ser
caracterizados pela própria distinção que eles percebem entre eles próprios e os outros
grupos com os quais interagem. (…) E, quanto ao critério individual de pertinência a tais
grupos, ele depende tão somente de uma autoidentificação e do reconhecimento pelo
grupo de que determinado indivíduo lhe pertence.”
Argumentações contraditórias
O voto do relator foi precedido de diversas falas de advogados das partes, incluindo aí
diversas organizações sociais que entraram na causa para defender um ou outro lado.
Um dos pontos centrais levantados pelos que defendem a inconstitucionalidade do decreto
diz respeito à necessidade de desapropriação. Para o advogado do DEM, Carlos Bastide
Horbach, não poderia haver desapropriação, pois a própria Constituição já teria outorgado
às comunidades quilombolas a propriedade das terras que ocupavam em 05/10/1988, data de
promulgação do texto constitucional. Peluso reforçou essa tese, dizendo que haveria, no
caso, uma espécie de “usucapião presumido”, o que dispensaria a desapropriação.
Essa argumentação, que contraria as bandeiras históricas do próprio DEM – defensor árduo
da propriedade privada – e dos demais interessados na queda do decreto, foi levantada na
ação para inviabilizar a demarcação de novas terras, ao impedir que, por meio do pagamento
pelo valor da terra, o Estado possa pacificar uma situação de conflito social surgida com a
titulação de uma área quilombola sobre uma fazenda reivindicada por um terceiro.
Outro ponto central da tese dos que defendem a derrubada do decreto diz respeito à
temporalidade da ocupação. Para o advogado da Associação Brasileira de Celulose e Papel –
BRACELPA não se poderia abrir a possibilidade de titulação de terras que, em 1988, não
estivessem ocupadas efetivamente. Para Horbach, admitir que aqueles que não ocupavam as
áreas em outubro de 1988 têm direito à terra, contraria o art. 68 do ADCT. São muitos os
casos, no entanto, de comunidades que, antes dessa data, foram expulsas de todo ou parte de
seus respectivos territórios. Justamente por isso foi incluso na Constituição o texto que
determina ao Estado garantir a titulação das terras. O uso do marco temporal de 1988
significaria, portanto, congelar inúmeras situações de injustiça fundiária.
O advogado da SRB (Sociedade Rural Brasileira) chegou a defender que a figura da
propriedade coletiva, prevista no decreto, é inconstitucional, por não se tratar nem de
propriedade privada, nem pública.
Autoidentificação é constitucional
Em contraponto, o AdvogadoGeral da União, Luiz Inácio Adams, defendeu que não é
necessária a aprovação de uma lei pelo Congresso para que o Estado brasileiro possa fazer a
regularização fundiária das terras quilombolas, já que a Constituição é autoaplicável. Além
disso, ressaltou que a autoidentificação não é o único critério para a caracterização e
titulação das comunidades remanescentes de quilombos, havendo vários outros, razão pelaqual 238 pedidos de reconhecimento já foram rejeitados pela Fundação Palmares.
Adams lembrou, ainda, que com base no decreto, 110 títulos definitivos de propriedade foram
emitidos e beneficiaram 11.289 famílias de quilombolas.
O Procurador do Estado do Paraná, que figura como amicus curiae na ação, Carlos Frederico
Marés de Souza Filho, explicou que o estado do Paraná tem interesse no tema porque
transformou o reconhecimento do direito dos seus quilombolas em política de Estado, não
de governo. O procurador ressaltou a importância da terra para as comunidades quilombolas
e que é essencial sua ocupação para a preservação das práticas, usos e costumes dessas
comunidades, que têm na terra o fundamento de sua vida. Segundo ele, a terra não significa
mera propriedade para essas comunidades, representa um conceito anterior à noção de
propriedade. Para Marés, os quilombolas são os “povos invisíveis” que tiveram que se
esconder dos olhares do Estado e da sociedade para garantirsua sobrevivência.
A Vice ProcuradoraGeral da República, Deborah Duprat, também defendeu a aplicação do
critério da autoidentificação, pois apenas os próprios quilombolas podem dizer quem é ou
não remanescente de quilombos e afirmou que outro critério, como por exemplo, o genético,
seria inviável para o reconhecimento dessas comunidades. Duprat destacou os tratados
internacionais que regulamentam o tema, dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto de
San José da Costa Rica e a Convenção 169 da OIT, que garantem o direito dos quilombolas
ao seu território e o direito de autoidentificação como critério fundamental no
reconhecimento dessas comunidades.
Audiências públicas negadas
Diversas organizações quilombolas e da sociedade civil, admitidas no processo na condição
de amici curiae também se manifestaram em defesa do decreto na tribuna.
O relator manifestou-se, ainda, quanto aos diversos pedidos de realização de audiências
públicas feitos ao longo do processo e afirmou que considerou desnecessária a realização
das audiências, tendo em vista que os autos estão suficientemente instruídos.
Após o voto do relator, a ministra Rosa Weber pediu vista do processo para poder examinar
com mais profundidade os autos e o julgamento foi suspenso. Não há previsão para que o
julgamento seja retomado.
Não estavam presentes na sessão de julgamento os ministros Joaquim Barbosa, Celso de
Mello e a ministra Cármen Lúcia.
Mais de 500 quilombolas de varias partes do Brasil vieram ao STF ontem para reivindicar
seus direitos e defender a manutenção integral do decreto. Os quilombolas assistiram à
sessão de julgamento e participaram de uma manifestação em frente ao tribunal.
A CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) e a Associação Brasileira de
Antropologia divulgaram notas em defesa do decreto (Veja aqui e aqui).
A Comissão PróÍndio do Brasil divulgou nota pública após o julgamento de ontem em
razão de o ministro Cezar Peluso ter citado dados do monitoramento da organização em seu
voto.