por marcos romão
Líder quilombola visita indigenas da Aldeia Maracanã no exílio em Jacarepaguá.
Desde a a visita que fiz, com meu amigo e líder quilombola, Luiz Sacopã, aos nossos amigos Carlos Tukano, Dauá Puri e indígenas de vária tribos, alojados no antigo “Leprosário de Curupaiti“em Jacarepaguá, depois de terem sido removidos sob enorme pressão estatal, psicológica e policial, fiquei com o coração apertado ao lembrar-me de uma frase proferida por uma trabalhadora social do Governo do Estado do Rio, quando em um encontro casual, comentei sobre a necessidade de se escutar os povos indígenas, que haviam retomado o antigo Museu do ìndio e batizado o local como a Aldeia, com o nome do pássaro que dera nome ao bairro e ao estádio Maracanã: “São todos mendigos, é caso para a Assistência Social”.
Aquelas palavra jogadas ao vento, martelam minha cabeça desde aquele momento, pois ao visitar os indígenas alojados naquela colônia isolada de tudo, a viverem da cesta básica mínima, com arroz, feijão e óleo, sem meios de locomoção para o centro da cidade e afastados da sociedade que procuraram, para terem um ponto de referência, que servisse de embaixada de seus clamores para o mundo, vi que o vaticínio daquela funcionária pública, havia sido cumprido à risca pelas autoridades governamentais do Rio de Janeiro. “Não existe problema étnico, nem discriminação a um povo, pois eles são marginais da sociedade, estão em mendicância”, poderíamos resumir o pensamento e a razão de estado.
Um jovem talentoso, campeão da Copa Indígena, neto do Grande Cacique Raoni, eu encontrara uma semana antes na porta do “Albergue Semi-Prisão”, para onde outro grupo de indígenas despejados da Aldeia Maracanã, haviam sido levados. Ele, que um mês ante me havia contado, que viera ao Rio e, encontrara um lugar na Aldeia de seus irmãos, para de lá procurar contatos com clubes de futebol no Rio, estava desolado, com os olhos ainda vermelhos provocados pelo Spray-de-Pimenta aspejado generosamente pela polícia da cidade, que antes lhe parecia a Meca Maravilhosa.
na esquerda da foto um neto do Cacique Raoni, ao seu lado Namara Gurupy, mulher indígena advogada
Todos viraram deserdados, sem terra e sem teto. Mais uma vez cumpria-se o vaticínio da pitonisa funcionária estatal. São mendigos. Homens e mulheres trabalhadores e lutadores pela execução de seus sonhos, são pedintes aos olhos dos funcionários e de seus mandantes. Impecilhos ao progresso, que precisam ser removidos.
O governo do estado comprara do governo federal a Aldeia Maracanã/Museu do Índio, pela bagatela de 60 milhões de Dinheiros, em prestações à perder de vista, para depois de reformado, repassar para a inciativa privada, que irá instalar um “ressort”, para a lembrança do futebol milionário da COB e servir de espaço para velhos jogadores tomarem seu “uisquinho”, receberem homenagens e coçarem o saco enquanto contam piadas de ìndios. Mané Garrincha deve estar se remexendo na tumba com tanto escárnio com seu povo.
A tática me lembra os duros anos da ditadura militar. Primeiro se desmoraliza, se assassina moral e culturalmente, depois passa-se o rodo e joga-se na cova coletiva do esquecimento.
Primeiro, se afirma não existir. Me lembro na minha adolescência a chamada para ocupar a Amazônia, Terra de Ninguém. Os chamados do “Projeto Rondon”, para cuidar dos “Quase Ninguém” que por lá perambulavam na idade da pedra. “Vamos Civilizar os Silvícolas” era o lema.
Injetaram em nosso imaginario coletivo de brasileiro, a visão da existência na Amazônia, de um grande deserto verde, desabitado e com tribos indígenas esparsas, além de populações ribeirinhas que precisavam serem resgatadas para a a civilização.
Segundo, se elimina o que não existe.
Como na Alemanha de 1933, começaram com os judeus que eram”carteiros”. Foram proibidos de exercerem a profissão e perderam a cidadania. Seguiram-se outras profissões, médicos, comerciantes, condutores de bondes, professores e por aí a fora. Todos foram tornados “inexistentes” para a sociedade Alemã. Porisso existe até hoje gente que não acredita que os judeus foram eliminados na quantidade que dizem, pois eles formalmente, não existiam mais para a sociedade.
Aldeia Maracanã fechada
“Você não é mais Índio”, é a primeira frase que meus amigos índios contam ouvir quando vão fazer uma reivindicação a um setor estatal. “Você, índio, precisa morrer para existir”, poderia ser a tradução lapidar deste pensamento arraigado na sociedade brasileira.
A Comissão da Verdade acaba de descobrir no “novo” Museu do ìndio, no Flamengo, o “Relatório Figueiredo” desaparecido desde 1968 e encontrado em meio à 50 caixas amontoados nos depósitos do museu. Meu Deus do Céu, Meus Orixás, que milagre este acontecimento!
“O contexto desenvolvimentista da época e o ímpeto por um Brasil moderno encontravam entraves nas aldeias. O documento relata que índios eram tratados como animais e sem a menor compaixão. “É espantoso que existe na estrutura administrativa do país repartição que haja descido a tão baixos padrões de decência. E que haja funcionários públicos cuja bestialidade tenha atingido tais requintes de perversidade. Venderam-se crianças indefesas para servir aos instintos de indivíduos desumanos. Torturas contra crianças e adultos em monstruosos e lentos suplícios”, lamentava Figueiredo. Em outro trecho contundente, o relatório cita chacinas no Maranhão, em que “fazendeiros liquidaram toda uma nação”. Uma CPI chegou a ser instaurada em 1968, mas o país jamais julgou os algozes que ceifaram tribos inteiras e culturas milenares.”(fonte-Jornal Estado de Minas).
Este documento deve ter quase apodrecido no Antigo Museu do Índio. Não são as paredes que contam, são as gentes vivas que de lá foram brutalmente removidas é que contam as atrocidades por que passaram. Estas gentes é que as COBs e os governos dos brancos querem eliminar de suas memórias.
Cada pessoa despejada da Aldeia Maracanã pode contar a história de alguma atrocidade pela qual ela mesma e seu povo passou. Não fram atrocidades cometidasi nos tempos de outrora não, foram barbaridades acontecidas agorinha mesmo diante de nossos olhos.
O que vimos, o que o mundo viu, a forma com que os representantes dos povos indígenas foram maltratados pelo Estado do Rio de Janeiro, para e atender à cobiça privada, foi apenas um exemplo exposto pela mídia, do que aconteceu e acontece em silêncio nos desertos verdes em que vivem as gentes indígenas de nosso Brasil.
Que este governo o faça, se não fizer que o próximo o faça, ou o próximo depois do próximo:
Um dia será feito. A Aldeia Maracanã será entregue aos povos Indígenas.
Agora eles têm o testemunho de um branco Procurador da Justiça. “O Estado de Minas” escreve: “Jader de Figueiredo Correia ressuscita incontáveis fantasmas e pode se tornar agora um trunfo para a Comissão da Verdade, que apura violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988.”
A Comissão da Verdade tem um trunfo. Os Povos Indígenas têm de volta o início de sua memória! A memória das Aldeias Maracanãs por todo o Brasil!.