por Ras Adauto*
Aula de História na “Pátria Educadora”
do meu tempo de primário.
No meu tempo de história no primário
o Egito era branco
a Grécia era o berço da humanidade
a Queda da Bastilha era o fato
mais importante da “nossa história”
os africanos tinham sido escravos
que foram libertados pela Princesa Isabel
os índios viviam pelados lá no mato
e eu tinha que desenhar os
heróis da nossa pátria,
senão era zero na caderneta;
e toque eu a desenhar retratos
de Duque de Caxias,
os Dons Pedros, o pai e o filho
o bandeirante Domingos Jorge Velho,
o bandeirante Fernão Dias Pais, o Caçador de Esmeraldas
o Almirante Tamandaré
o José Bonifácio, o Patriarca da Independência
o Marechal Deodoro da Fonseca, o proclamador da República
o Rui Barbosa, o Águia de Haia
e outros tantos “Vultos Históricos”
e o únicos negros que eu me lembro
que tive que desenhar foram o José do Patrocínio
e negros acorrentados para ilustrar
um trabalho do 13 de maio
Nesse trabalho o José do Patrocínio
estava de joelhos beijando a mão da Princesa Isabel
que eu tive que reproduzir de algum jornal antigo.
Um dia levei um zero redondo na caderneta
quando a Fessora de História
arguindo a turma sobre os personagens
da nossa história que queríamos ser
e quando chegou a minha vez de responder
eu disse que queria ser:
“um índio pelado lá no mato”.
Fui expulso da sala de aula
e tive que ficar até o final das aulas
em pé de castigo atrás da porta
da sala da diretora, virado para a parede.
Levei zero e advertência para meus
pais na caderneta e ainda ter que
escrever duzentas vezes uma mesma frase
que começava assim “Nao devo…blá-blá-blá!
Foi assim que “aprendi” a História no Brasil no meu primário.
negra panther.
imagem/arquivointern “os heróis do meu tempo de primário”.
* Ras Adauto é cineasta e jornalista brasileiro. É ativista do Movimento Negro Internacional. Vive em Berlim onde realiza programas para a juventude na televisão local.
Editor da PPABerlin News (Pindorama Press Agentur Berlin)